domingo, 9 de dezembro de 2012



Quando Ontem Chegar
          Altair de Oliveira


Este conto, escrito entre 1984 e 1985, era parte de um projeto de livro que deveria contar história dos nossos chamados “marginalizados” urbanos e rurais e que deveria chamar-se “Muquifo & Rebas, uma Sociedade Anônima!” O livro não chegou a ser concluído por inaptidão literária minha, dele apenas este conto e um outro que foi denominado de “Romeu & Julieta, uma Companhia Limitada” foram escritos e publicados, juntamente com alguns poemas, em meu segundo livro “Curtaversagem Ou Vice-Versos”, que foi publicado em 1988. Uma boa leitura! Para ver o meu blog: http://poetaaltairdeoliveira.blogspot.com.br/ - Altair.


Houve um tempo em que o cara queria ser famoso ou rico... Sei lá! Ele mesmo não sabia ao certo com era. Vontade de ter dinheiro, roupa boa, casa, coragem, alegria, amigos e etc.
Nesse tempo de adolescência ou infância ele tinha ainda mãe e irmã, ficava horas espremendo espinhas e achava que quando crescesse ficaria bonito, charmoso, sensual e tudo o mais que as pessoas apreciam. Certamente as mulheres iriam cortejá-lo e, destas, haveria uma que o acenderia quando se apagasse e o apagaria quando se acendesse. Essa ele amaria e protegeria para sempre. "Com os meninos faziam com as lamparinas, quando ainda tinha lamparinas..."
Foi mais ou menos neste tempo (a matemática do relógio o perturbava) que ele amou pela primeira e grande vez. Estudavam juntos, e ela, menina que era, tinha a urina solta. Era um problema hereditário, não sei ao certo, não podia emocionar-se, acontecia...
E na semana da pátria, a professora discursava das nossas belezas mil, escambau, do nosso povo gentil, coisa e tal, das riquezas inacabáveis, carnaval... E eis que um mapa de urina serpenteou pela sala. Então a garotada mangava dela, perguntavam se ela era furada, se o céu estava de chuva, muito mais... "O céu daquele tempo era embaixo das salas das meninas."  Ele não riu. Apaixonou-se. Ela acabou abandonado a sala, voltou somente um ano depois. Arrastada. Já então a paixão dele havia crescido. Namoravam de longe, olhavam-se. Ela sorria abaixando os olhos. Ele acanhava, e pensava que quando ela pensasse nele na certa urinava “esgorfiadinho”. Queria falar com ela e não tinha coragem. Um dia emprestou uns óculos escuros e piscou para ela, o coração quase explodiu-lhe o peito, mas ela não respondeu...  Então ele desapaixonou-se, mas depois apaixonou-se de novo.
À noite ele subia ao telhado para ver estrelas, conheceu todas elas e, destas, escolheu uma para representar a sua amada, a que ele chamava de "meu benzinho". Com a estrela é que ele ensaiava coisas bonitas que um dia iria dizer para ela.
Era uma estrela pequena, nem sempre aparecia. Quando ela não vinha ele chorava. Se ela demorasse para vir ele desapaixonava, ficava dias sem voltar ao telhado.
Num outro tempo, a mãe tinha morrido, a irmã casara, descasara, sumira. Porque a mulher que ele amava tinha perdido o rumo, ou não sei, ele mudou de cidade, cortou o cabelo e começou a vestir-se e a falar diferente. Decorou músicas em inglês e cantava mais ou menos assim: " I love you my live, because my life is you”, “Good bye..." e mais uma caixa delas.
Já então ele estava na cidade grande trabalhando de carregador, servente de pedreiro, jardineiro, cobrador de coletivo, porteiro, vigilante, zelador, gari, camelô e mais um monte de coisas que as pessoas fazem quando vão para as cidades grandes.
De quando em quando, batia a saudade e ele pensava " alguém mija por mim". Sentia então vontade de ir ao telhado namorar estrelas. Mas nesse tempo já não havia telhados e em céu enfumaçado não passeiam estrelas.  No espelho já não havia espinhas, e o rosto chupado sustinha uma barba rala, confundida no ruivo do grisalho ou vice-versa. Nos olhos a marca do sonho, do cansaço e do choro.
Fazia tempo que não chovia, e ele tinha certeza, "longe o tempo da última lágrima".
Um dia acordou bem. Cedinho e ele já estava em pé espiando a cidade acordar, dando bom dia ao dia, depois se achando bonito no espelho. Na rua, também a boa sensação de que a primavera tinha voltado, apesar de tudo. Percebeu que a mulher que ele amava perdera o rosto frente às mulheres da rua, das vitrines, das revistas, da TV, mas já não se importava tanto. No mundo da sua cabeça tocava no rádio (em português) uma canção que conjugava verbo ela-mija-por-mim em todos os tempos.
Entrou no coletivo apertado de todos os dias, e foi lá que ele viu a mulher grávida com uma criança no colo. Foi gentil. Segurou a criança, acomodou a mulher. Com a criança no colo fitou-a num ângulo de contemplação. No rosto usado de fêmea-urbana-proletária-prenha, garimpou e descobriu traços de uma alegria incerta, petrificada na mente, e ele não sabia, era ela.
No chão, ele devolve a criança e ela diz "Muito obrigado", coisa e tal. Emocionado, olha relógio pela primeira vez e a hora marcava quarenta anos.
E antes que ela partisse, falou: " Você ainda urina na cama?"
Quando ela voltou-se era viva e ria. E ele era todo aceso, e riso e são.
Pousou nesta sensação gostosa assim não se sabe a certo o quanto, instantes, séculos... Era bom!
Foi aí que enxergou um filminho que ele mesmo inventara : "Ela estava trajada de babá e a criança não era filho não, era instrumento de trabalho, e ela que levara uma vida sem emoção ficara sem urinar o tempo todo à sua espera e a barriga estava grande disso... Eles iriam passear  de mãos dadas pelas ruas, deixando um rastro de urina. As pessoas então diriam: Meu Deus! Com se amam! Que bonito!!! Que legal! Coisa e tal!  Aí, então, eles iriam para cama. E quando ela tivesse orgasmo haveria enchente e dilúvio. Cidade grande iria morrer e os dois ali, abraçados... Esgoto voltaria a ser rio e os dois ali, abraçados... Ressureição de Sete-quedas e os dois ali, abraçados... Poderiam se fundir, morrer, ir para algum buraco de céu virar estrela, se quisessem... Nas não fizeram nada disso não!"
No filme da cabeça dele os dois ficariam ali abraçados até que tudo voltasse a ser como antes, até que a tempestade passasse...
Como devia ter sido.

   ***

Texto de  Altair de Oliveira, In: “Curtaversagem ou Vice-Versos”, edição do autor – 1988.
Ilustrações: trabalhos da pintora “ Vitória Basaia”.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FlashMob "O Leitor"

O Coletivo Atalante o convida a participar do Flash Mob¹ “O Leitor”, que, nesta sua primeira edição, ocorrerá no Terminal Cabral, em uma Segunda-Feira², das 18:30 às 19:30³, no dia 08/10/2012.
No que consiste este Flash Mob? Objetivamente, consistirá num grupo espontâneo de pessoas que irão ao Terminal Cabral e lerão um livro durante uma hora. Aqueles que estiverem lendo não deverão conversar, sob nenhuma circunstância, com os demais participantes/leitores do evento, mas sim, pura e simplesmente, se restri
ngir a exercer esta atividade tipicamente solitária que é a leitura! Recomendamos aos Leitores que levem algum livro que seja especial, algo que o tenha marcado de alguma maneira e que, como recompensa, você o homenageará durante esta uma hora de leitura. Caso alguém, dentre os Transeuntes do Terminal, que, diante de um número tão atípico de Leitores em um mesmo lugar, o indague sobre o porquê de haver tanta gente lendo, faça-se de desentendido e, se julgar conveniente, comece a falar a respeito da obra, divulgue-a, leia algum pequeno trecho do livro, pois assim, caso algum curioso resolva indagar vários Leitores, ele ouvirá vários relatos e trechos tornando-se assim, igualmente, um Leitor. A ideia, muito singela, é simplesmente causar um certo estranhamento nos Transeuntes do Terminal e, quem sabe, suscitar-lhes um certo desejo, ainda que inconsciente e tíbio, pela leitura.
Agora, refaçamos a pergunta do início: “No que consiste este Flash Mob?” Em termos mais idealistas e figurados, este Flash Mob consiste em uma intervenção, por parte de uma figura inusitada, em alguns dos templos mais representativos das nossas rotinas de trabalho e consumo: os terminais da cidade (Cabral, Portão e Pinheirinho) e shopping centers (Muller, Palladium e Estação). A tal figura inusitada é o Leitor, geralmente em minoria, mas que possui uma postura tão única e inequívoca: livro à mão, cabeça curvada e olhar atento e navegado.
André Bazin, no seu livro Charlie Chaplin, diz a respeito de Carlitos, o grande personagem de Chaplin: “A sociedade impõe mil cerimônias que não passam igualmente de uma espécie de missa permanente que ela oferece a si própria. Um exemplo disso é a maneira de se comer em sociedade. Carlitos jamais consegue usar os talheres de modo conveniente. Põe sempre o cotovelo dentro dos pratos, derruba a sopa sobre a calça etc... Religioso ou não, o sagrado está presente em toda a vida social não apenas no magistrado, no policial, no sacerdote, mas no ritual de alimentação, nas relações profissionais, nos transportes públicos. É por ele que a sociedade mantém sua coerência, como em um campo magnético. Inconscientemente, a cada minuto, nos posicionamos segundo suas linhas de força. Mas Carlitos é feito de outro metal. Não apenas escapa à sua influência, mas a própria categoria do sagrado não existe para ele, sendo tão inconcebível quanto a rosa para um cego de nascença”.
Tendo isso em vista, propomos esta intervenção por parte dos Leitores: nos lugares já consagrados a determinados usos tão restritos e funcionais iremos realizar uma das atividades mais negligenciadas em nosso país que conta, segundo a última pesquisa, com a quantia de 27% da população de analfabetos funcionais, fora os totalmente analfabetos. Por fim, esta intervenção é também uma maneira, ainda que velada, de dizer à população que os leitores existem e que a leitura é possível nem que seja somente durante nossas viagens diárias de ônibus rumo aos nossos trabalhos, escolas ou outras instituições afins.

1 Flash Mobs são aglomerações instantâneas de pessoas em certo lugar para realizar determinada ação inusitada previamente combinada, estas se dispersando tão rapidamente quanto se reuniram. A expressão geralmente se aplica a reuniões organizadas através de e-mails ou meios de comunicação social.
2 O evento tem que ocorrer na Segunda-Feira porque é o primeiro dia da semana e representa o retorno ao cotidiano do trabalho e de nossas outras obrigações para com a estrutura socioeconômica na qual estamos inseridos até o pescoço.
3 Este horário foi escolhido tendo em vista que o mesmo corresponde à hora do rush que, em nossa cidade, tá cada vez mais caótico. 

domingo, 19 de agosto de 2012

Sobre o Leitura e Prosa


“Para elogiar Ibn Sharaf de Berja, repetiram que só ele conseguiu imaginar que as estrelas no alvorecer caem lentamente (...) isso, se fosse verdade, evidenciaria que a imagem é insignificante”.                                                     
Jorge Luis Borges 

                  Borges em um de seus contos, “A busca de Averróis”, assim expõe: “a imagem que um único homem pode conceber é a que não toca ninguém”. Aceito o alvitre, dois comentários podem ser feitos em relação ao que figura como literatura, desmentindo já dois grandes equívocos. 
              O primeiro, do gênio, iluminado, artista e escritor, que deixa de ser o particular indivíduo da Terra a ter pensado algo que ninguém pensou. A sua genialidade estaria, justamente, no fato de partir de sua condição temporal e espacial para criar ou descobrir algo capaz de durar, exceder seu próprio tempo; algo capaz de gerar um apreço estético, sendo, necessário e justamente acessível ao outro, ainda que em um momento futuro. Ser capaz de gerar uma imagem que desperte no outro algo que o diga respeito, que nele se comunique, garante a “durabilidade” da obra, tecendo-se vínculos entre diversas épocas. 
                Desfaz também a noção de literatura como transe-tédio-individual, resquício da crise da poesia épica e, mais tragicamente, fruto da hegemonia do romance, criação de uma burguesia mareada. Walter Benjamin, nesse sentido, questiona o fim da capacidade oral de contar histórias, em virtude da ascensão de um indivíduo perdido em sua solidão, escasso de experiências.             
                Já a possibilidade levantada por Borges liberta a literatura da solidão, já que repousa na ideia de uma imagem que pode ser coletivizada. O que mais seria o conceber de uma imagem com significado senão o movimento que possibilita o compartilhar dessa imagem?     
                A possibilidade de compartilhar uma imagem perpassa, de certa forma, uma oportunidade para exercer nossa capacidade atrofiada de narrar. Narrar nossa experiência enquanto participantes dessa imagem que toca: de como nos toca; entendimentos, interpretações, impressões e por aí vai. 
                Poder ler ou ouvir seu próprio poema é o parto do superego. Trocar uma leitura solitária e confortável por uma leitura com gente estranha é, no mínimo, curioso. Dedicar um começo de noite a dissecar constelações de uma interpretação alheia é, curiosamente, interessante.      
                Leitura e Prosa, aqui, pode ser sinônimo de Literatura, pode ter qualquer outro nome que expresse o nosso olhar atalântico:          
o compartilhar do tempo dentro do nosso tempo. E o tempo, aqui, pressupõe um ato coletivo de concepção da imagem, aquela imagem significativa que pode ser vislumbrada por todos, ainda que de maneiras diferentes. E são esses modos salpicados com individualidades que procuramos desbuchar quando nos reunimos. Sem esquecer, é claro, das limitações, mas também exclusividades do nosso tempo: o tempo momento-presente que congrega nossas pervagantes e previsíveis existências. Ainda dentro desse tempo, no incansável movimento de contato com outros tempos, que é o dos autores e o das obras, arrisca-se um novo navegar.  
É pretender toda a literatura que couber no espaço-tempo de um encontro de algumas horas. Repetindo eventualmente tudo que já foi dito e espreitando por um lampejo que possa engendrar o deleite de uma boa prosa, mesmo quando essa já é finda.           


Estela Basso     
Coletivo Atalante, 2012           



Serviço
Leitura e Prosa
25/08 - A partir das 19h
Porão da Academia da Cachaça
(Rua Ubaldino do Amaral, 710 - esquina com a Marechal Deodoro)


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Introdução



Esse texto tem a intenção de ser uma introdução para essa página que inicia seus trabalhos hoje, dia 30 de junho, de 2012, por isso pretendo explicar um pouco a proposta. Acho que todos os interessados por essa página concordam comigo quando digo que é difícil acharmos bases para a criação literária hoje, bases no sentido de ter algo para se apoiar e que de um real significado pra aquilo que esta sendo escrito. Parece-me que nem mesmo a academia tem prestado atenção àquilo que tem sido escrito, excluindo-se claro as obras dos doutores (aliás, algo vem sendo escrito?).
Mas porque é tão importante ter uma base? É um assunto que pretendo abordar mais profundamente no futuro, porém acredito que é necessário uma base para que a nossa criação ganhe importância. Uma base, então, seria também um sentido para a criação, e o sentido é algo fundamental na literatura. Interpreto a criação mais ou menos como um viajante, e um viajante precisa de um caminho e de um sentido, nesse caminho, sendo assim espero que o blog sirva para que cada um de vocês possa apresentar um caminho e através dos debates possamos reformular nossas ideias, tirar algumas pedras, ter um referencial! O referencial acredito ser um grande problema pra nós, porque no mundo em que vivemos os referenciais simplesmente foram abolidos, e isso não só na arte e na literatura, mas em tudo! Não possuímos mais referenciais religiosos, científicos, estéticos, familiares e nos mostramos extremamente incompetentes em construir nossos próprios. É certo que por quase toda a história os referenciais serviram de ferramenta de domínio e opressão do homem, mas também é certo que com a libertação deste, ele simplesmente não conseguiu seguir um rumo (e nesse exato instante me questiono se é importante  ter um rumo, quase entrando em discordância com o que pretendi falar algumas linhas acima), e sem um rumo o homem, tanto o indivíduo como a sociedade, tem agido de forma discordante (pois ao mesmo tempo em que abdico do refrigerante para me manter saudável, acendo um cigarro; Se hoje eu tomo iogurte porque faz bem para a barriga e emagrece amanha descubro que ele da câncer; Desejo um “mundo melhor” e ao mesmo tempo apoio que a policia de porrada em manifestantes. Esse são só alguns exemplos de atitudes discordante, que decorrem da falta de referenciais), que talvez represente uma forma de dominação não mais pelos referenciais, mas exatamente pela falta deles. Nessa ótica o referencial seria uma maneira de afirmar a existência do homem e seu poder autônomo. (Sera possível o desenvolvimento de um referencial de libertação do individuo e não de apenas um modelo a ser seguido?).
Enfim, acredito que nessa pequena introdução desenvolvi uma espécie de justificação para a esta página, o que me agrada muito e espero ter agradado a vocês, se não espero ansiosamente pelas críticas (e os textos) de vocês, isso porque muitas vezes sinto-me não convencido pelo que eu mesmo escrevi e enxergo no debate uma das maneiras mais legítimas de desenvolver ideias. 



Caetano Pires é integrante do coletivo Atalante, um dos organizadores do sarau Leitura e Prosa e administrador desse blog. 


A REGIÃO SIMULTÂNEA

Prefacio das antologias Cronopios/Arraia PajeurBR escrito por Carlos Emilio C. Lima, Pipol e Claudio Portella


São cerca de cem autores pra lá de revolucionários e inovadores que participam dessas antologias. Estamos com um imaterial literário e ímã poético digno e maravilhoso nas mãos, quase inigualável, sem nenhuma dúvida só comparável ao que se fez e escreveu no momento pré-modernista que precedeu e se instalou naquele faixa de tempo que ressoou entre a Padaria Espiritual do Ceará brasileiro no final do século XIX e a paulista e também brasileira Semana de Arte Moderna do ano 22 do século XX passado. É o expresso 2222 da Central do Brasil que partiu direto para depois do ano 2000 que chegou agora mesmo em 2012 aqui apitando suas mensagens de uma grande colheita de novas imagens nunca vistas antes... Seus passageiros alucinados, todos esses escritores e poetas, viram coisas que jamais ninguém havia visto, acessaram das janelas loucas do trem de éter em que viajaram paisagens que ninguém antes avistara, realizaram uma viagem que ninguém havia feito antes, foram a lugares estranhos, que ninguém também havia descrito dessa revoltada maneira, eles trazem os recolhos e as lembranças futuras do que ainda não vimos, sentimos, percebemos, captamos, do que ainda vamos ver, do que agora vamos ler. Trouxeram, aos que vamos ler agora no papel impresso das arraias tremulantes, estão trazendo, as impressões e as expressões de uma viagem além dos territórios conhecidos. E falam uma linguagem escrita de um povo profundo, meio aérea submarino enigmática que aprenderam poderosamentedurante o percurso de cartografias exuberantes. Beberam de tudo e buscaram em todos os meios e mídias e todas as linguagens das artes e das ciências uma síntese renascente, um viés. Esses textos são o veículo expressivo 2222 que há muito pressentíamos. A acrescentada lágrima humana de alegria do sol. Nos trilhos moventes infalíveis da poesia ele chegou, esse novo tipo de trem, suspenso, multidimensional, com olhos calmos de furacão, azeitado de luzes eletrônicas da natureza (foi a natureza que criou a eletrônica através do homem) e cibernético de almas, ruflando sonidos de dançarinos sentidos, apitando os novos céus, emitindo as outríssimas formas com os seus faróis de juventude estelar. Luz verde estremecendo as mentes para ajustamentos a novas significações de modos de dizer, de escrever, cantar e narrar. Novos gêneros literários aqui foram criados. Galáticos-arbóreos. Nada obedece a qualquer padrão anterior, na maioria desses textos. Esse fluxo, essa potência, essa força poética que aqui vai se avolumando nestes livros triangulares e giratórios nos faz navegar por mundos bem mais que inesperados . Não é uma brincadeira. Vão se abrindo eclusas de um outro tipo de tempo além do quântico, de uma nova linguagem poético-narrativa com o lançamento destes livros junto com a nossa cósmica pandorga Arraia PajéurBR 4 em conjunção cronopiana. Lemos todo o material das antologias com a mais surpreendida atenção e só podemos comunicar aqui a todos vocês o nosso deslumbramento, o nosso espanto total pelo encontro do completamente inédito, jovem, florescente, do irradiar do anteriormente inimaginável, daquilo que ainda não existia de modo algum no horizonte do imaginário habitual a que estávamos acostumados a lidar num antigo mundo cerceado, cercado, azedado e domesticado, manipulado por grupos,esqueminhas, falsas elites literárias, linguagenzinhas da moda, grupinhos étnicos exclusivistas, modismos filosóficos, tendências estéticas impingidas pelos rebeldes anexos do sistema e baixos interesses, através de uma mídia esclerosada, mercantil autoritária e parcial por sua própria natureza, em sua maioria, com, obviamente, as afáveis exceções de praxe, representante de poucas pessoas, entidades e corporações de nenhum modo interessadas no coletivo e no verdadeiro imaginário. O que estávamos antigamente, anteriormente acostumados a ler na maioria dos textos, contos e poemas e nas antologias até bem recentes da literatura dita brasileira já não se propaga nestes livros de nossa revista asa delta, vela marinha de pássaro da imaginação. O novíssimo desconhecido surgiu agora aqui mesmo, pulsa, emite e está emanando neste portal. E tudo por causa da internet, este trabalho de Cronópios e de alguns outros poucos sites e portais literários congêneres deste o início do século. Não sabemos ainda porque nenhum crítico literário se debruçou até agora sobre esse material riquíssimo publicado no portal literário Cronópios, a região multisimultânea de toda uma época da literatura nacional. Por esse motivo essas quase antiantologias agora afloraram no papel, chegaram ao tato das mentes e mãos dos leitores deste país.Cronópios é o portal cultural que tem mais trabalhado e construído nestes anos recentes as flechas dos sentidos de uma real difusão, desdobrando diariamente há anos o mais célere e completo panorama literário contemporâneo, este tesouro que a velha mídia oprimia com seus renitentes cardeais, tornava invisível, tentava de todos os modos sufocar, esmorecer, enterrar, literalmente. E ainda tenta e retenta. E muitas das paquidérmicas editoras antinacionais evitam publicar. Estas antologias vão mudar o eixo da literatura brasileira.

Foi o Cronópios, de fato, o portal que rompeu, neste oito anos desde sua fundação, o bloqueio editorial e midiático que se fazia ao verdadeiro imaginário deste país, ao coração amoroso infinito do povo brasileiro. Este mesmo povo que ainda vai surpreender o mundo. Esse papel (eletrônico e anímico) desempenhado por Cronópios e MnemoZine, revista que lhe é agregada, já é bem reconhecido. Isso já se inscreveu nos pixels da história da cultura brasileira, de um modo indelével, marcante. Faltava, somente, a publicação desses livros, talvez os primeiros livros triangulares do mundo (e se não forem, serão) que a ArraiaPajéurBR agora transporta e distribui. Faltava o selo, a materialização impressa, bela, do projeto, a união dos esforços de todos em uns livros mais do que concretos.

Estes livros triangulares giratórios rompem, finalmente, com sua força inovadora, o bloqueio editorial, cultural e mental que oprimia a literatura brasileira nesses trinta anos de reinado estéril e brutal do neoliberalismo e da manipulação midiática que asfixiava a imaginação do país a níveis mesmo insuportáveis. Que a gráfica poesia que esta revista e seus livros triangulares giratórios emanam esteja à altura do material imaterial, intrinsecamente espiritual que transportam: a nova literatura brasileira que com seus novos flexos e nexos reencantará o mundo, trazendo-o de volta a si mesmo. FRISSON NOUVEAU! Há um valor criativo ascensional nesse momento mágico. As comportas musicais de energia cósmica da imaginação literária foram reabertas por todos estes autores com suas linguagens inesperadas, seus dizeres imprevisíveis e renexos belamente enigmáticos do que ainda não pode ser configurado porque é a surpresa de inusitadas dimensões. A outra forma da Lua mostrou-se! Extraordinários aportes de uma poética renovante que vem flutuado no bojo emplumado do século XXI. Réstias de horizonte regraduando-se de outras escalas mentais abrindo suas pálpebras... luminascentes... Não se trata apenas de uma nova geração, mas de uma nova geração de linguagem que faz pousar um outro espírito distanciando-se criativamente de toda uma época que morre, que já vai pós-tarde. Uma nova linguagem, a internet, só teria que revolucionar a linguagem literária. O maneirismo pós-modernista foi abandonado para sempre.
Certas características ,traços, evidências saltam aos olhos dos olhos na maioria desses textos que não são contos, não pertencem a uma etiologia da forma tradicional requerida pelo conto.Mas como Mário de Andrade, parodiando mediunicamente a Duchamp disse que conto era tudo aquilo que o autor quisesse chamar de conto, podemos dizer que aqui nesses livros triangulares todos os novos gêneros já foram gerados e que nada aqui é mais conto, nem capítulo de romance, lista poemática, poema em prosa, proesia, fricção de ficções, bula poética , roteiro onírico de cinema para a mente, mesclas, escrita-viagem. Os velhos gêneros evaporaram.
Se alguns autores narratizam a historia de iluminação , o atingimento da córnea universal, da mente espacial simultânea coletiva , vai-se evidenciando pelas frestas das frases desses textos e poemas que ela chegou ,multiaplicada, nos autores aqui reunidíssimos
E os títulos, são poemas por si só, nem precisam ser outra coisa que não títulos, de uma vez. Mas os autores são vorazes em suas miltiplicidades. Todo mundo jardina em muitos territórios aqui, faz muitas coisas, pós- fotografia, musicapaisagem, teatro para içar o fundo do mar , dança pós-quântica, fiosolfias, ninguém fica parado estatelado numa atividade só, nesse ponto todo mundo aqui é renascentista, mexe com ciências, artes, esportes metafisicos,mexe com tudo se interessa; e por causa disso, porque é hábil em muitas linguagens faz profundas reformas na arte de narrar e na arte da poesia... Um tecido de fios de horizontes são estes textecidos.São textos que vieram do futuro mas aí a turma que viajou no tempo cuja máquina fofa é a literatura resolveu fazê-los aqui neste presente até pra picotar, espantar de um jeito tao a realidade velha antiga que estava ficando chatíssima de tão pós-moderna. MUDARAM TUDO.
E quando há histórias elas aqui retornam com um fantástico com mais ambiguidades, ambivalências. O pessoal estribilha os contares, faz grande painéis pintados na forma das letras de música fotograda como se do alto , imensas canções escultoras escritasdramatizadasfilmadas em grandes espaços letrados pela mente câmera clara em prosa mergulhada ascencionada. O povo brasileiro assoprou fundo aqui no material: as vogais fluem, libertas, as consoantes levitam, as vírgulas se dissolvem, dissipadas voam das frases, chega um vento claro do horizonte-fronte, frases poéticas sincopadas, meio cantadas, cromatismo rítmico .Desengachou ,soltou-se ,subiu a pipa, a arraia da escrita leve. O antigo muito pesado ficou lá no chão, algo estalou inesperadamente fora das mãos. Agora muitíssima poesia passeia, nunca mais é prosa seca. O pessoal aprendeu com o mar, com as chuvas, as enchentes, os relâmpagos eletrônicos, as grandes marés urbanas das cidades desiguais.
Todo mundo aqui, a maioria, saiu da mesmice, de um falso círculo mágico realista que parecia obrigar a uma linguagem sem poesia quando o assunto se imantava “real”. Estampejam desamarrados dos textos-moldes antigos, das prevaricações de um falso realismo urbano , esses textos viajam levissismos, às vezes faltam uns artigos definidos, um advérbio risca a página, estranha, não desgruda mesmo da frase. Não importa. Se. Ele é, cintila bem assim .O céu alaranjado –amarelo dos alquimistas taoístas foi previsto à caminho em muitas dessas frases aqui, destes poemas. O realismo disse adeus aos véus, dissolveu-se em retorções geladas, esfarinhando-se numas, em vertentes flexíveis inovantes, nessas sintaxes mutantes,” suja de cidades”. ”Cada um no seu século ; o palavreado muda”
A antíteses, os paradoxos, os oxímoros, os estribilhos-pontes, agora estribrilhos, as repetições até à lua, as cadências, a musicastralidade das frases já é um alento ao realismo transcendental dos textos, palavras escritas numas sintaxes tremuladas demais por milhões de influências de todos os tempos e de todas as direções, novas gírias, expressões recém-saídas dos princípios ainda nem acontecidos.
E todos os começos são incríveis, nenhum autor começa igual ao outro, gente que mergulhou emcinemamusicateatroliteraturaartesplasticasfilosofiafotografiafisicaastronomiaoceanografiatempestades e saiu com os olhos alterados de dentro de tudo isso, gente bem humana, com seus contos pós-vocais e poemas pós-mentais.
A maioria desses escritores já teria desistido, em uma outra época , aos primeiros esboços de recusas das editoras do velho tempo pré-web. Há muita e lindíssima coisa boa aqui que não teria tido vazão, acaso ainda mandassem no espaço cultural da literatura as editoras tradicionais de papel. Graças ao Portal Cronópios não foi assim, não ficou assim. Essas antologias são a prova disso. Quase todos os autores, poetas eficcionistas, nesses livros triangulares são muito jovens e porque fazem e conhecem de tudo como mestres de uma movíssima, novissima e vivíssima contemporânea Renascença, um lirismo inédito aguaceia por aqui. O pessoal voltou a poetar com invenção. Mediunizou-se de novo. Só vai entender bem o que fez daqui a cinquenta anos, se.
Um Remodernismo na poesia, porque novas formas de poetar são aqui inventadas, ecos de outras não-métricas reboam nas superfícies de telas mui apuradas de tão novos modos de sentir. Estamos todos chegando junto com estes poetas no interior dos olhos herméticos e belos do furacão, estamos todos nos ajustando, correndo levitando para o interior da grande mente coletiva de uma nova era. Dessa vez é verdade. São arquétipos-móbiles, Calder, as palavras estão contentes.
As imagens voltam de voos, rompem as águas paginadas das telas de cinema, re-voltam. Não mais há aqui imagens falsas, de estúdio. Uma nova ética poética. A poesia remove as coisas coisadas demais, as velhas coisas, aplaina o terreno. Às vezes, o poema cristaliza- numa casulo-segundo, um relato meio como se com os bordos vaporando, ilimites flanando ruflando uivando, nos ouvidos invisíveis de poesia. Quando tem mais uma música que não pertence à audição a gente sabe que é mais do que prosa, que é poesia. É que ressoa. O céu do eu.
Ainda vão ter que inventar tantas teorias para embalar essas novas frequências poéticas!
Ah, vale ainda dizer que aqui ninguém tem medo da mitologia, do tonal, do astral, do superastral, do grande amor...Das estrelas-reticências...do piscapiscar...
Há uma felicidade aqui.
O pessoal desbastou, o pessoal encontrou...
Carlos Emílio C . Lima
Pipol
Claúdio Portella

Fortaleza, São Paulo, 9 de março de 2012


Carlos Emilio C. Lima é escritor, poeta, editor, ensaísta, antidesigner, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Fez mestrado em literatura espanhola na Universidade de Yale (não concluido). Editor de inúmeras publicações literárias tais como a revista o Saco Cultural, a revista Cadernos Rioarte, o jornal Letras&Artes (prêmio da APCA para melhor divulgação cultural do país em 1990), a revista triangular Arraia Pajéurbe. Correpondente da revista espanhola El Passeante no Rio de Janeiro. Publicou os romances A Cachoeira das Eras,A Coluna da Clara Sarabanda (editora Moderna, 1979), Além Jericoacoara, o observador do Litoral(Nação Cariri editora,1982), Pedaços da História Mais Longe, 1997, com prefácio de José J.Veiga e apresentação de Braúlio Tavares (editora Impressões do Brasil, 1997), Maria do MonteO romance inédito de Jorge Amado (Tear da memória editora, 2008). Ver a versão eletrônica aqui no Cronópios nesta mesma coluna Constelação de Saliva do mesmo "livro" com o título O romance inédito e esquecido de Jorge Amado na voz da velha e negra senhora, os livros de contos Ofos (Nação Cariri,1984), O romance que explodiu (editora da Universidade Federal do Ceará, 2006, com orelha de Uilcon Pereira). O livro ensaístico Virgilio Varzea: os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso(cooedição da Editora da Fundação Cultural de Santa Catarina e da Universidade Federal do Ceará, 2002). Tem ainda inéditos os livros Culinária Venusiana (poesia), Delta do rio suspenso(ensaios), A outra forma da Ilha (contos fantásticos), Teatro submerso (dramaturgia para o fundo do mar), Solário (contos infantis) de onde vem também o texto acima. E-mail:carlosemiliobarretocorrealima@yahoo.com.br


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Leitura e Prosa dia 30/06 no DCE-UFPR

No próximo sábado dia 30 acontecerá, no DCE da UFPR, o sarau “Leitura e Prosa”. Será o sexto sarau organizado pelo coletivo Atalante, e em comemoração a esses seis meses nesta próxima edição, além de poesia e discussão, terá também a participação de músicos convidados (Joaquim Lima e Luis Felipe Vale) e projeções de Leonardo Lotowski.
O sarau, que é realizado todo último sábado do mês, vinha sendo feito desde dezembro de 2011 em casa de integrantes ou amigos do coletivo Atalante, e a partir de março desse ano conquistou o espaço do DCE – UFPR, onde se ancorou e pretende ficar. O público consiste em interessados, estudantes, “amantes” de literatura, e também autores curitibanos, conhecidos ou não, que buscam espaço para mostrar suas criações e, porque não, ouvir críticas, debater e conversar sobre suas obras. Em ambiente amigável, as discussões (embaladas pelo vinho) geralmente são empolgantes e vão desde a estética barroca a pichação nos muros da cidade, são lidos os mais diversos autores como: Augusto dos Anjos, William Blake, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Saramago, Eliot, e dessa miscelânea nasce brilhantes ideias sincréticas, mestiças, antropofágicas.
O coletivo Atalante surgiu da união de pessoas de diversas áreas, mas com um interesse em comum: disseminar o pensamento artístico através de um novo modelo de educação, tirar esse conhecimento da academia e coloca-lo na rua, na cabeça e na boca das pessoas, em vez de ensinar arte, debater e construir juntos um conhecimento. O coletivo trabalha em diversas “frentes” realizando propostas de cinema, arquitetura, musica e literatura. Sua premissa maior é que o conhecimento precisa ser compartilhado, por isso propõe espaços não oficiais de ensino onde todos podem discutir igualmente, sem uma hierarquia a ser respeitada.
Se você gostou da proposta, apareça e traga a sua leitura favorita para compartilhá-la conosco, todas as vozes precisam ser ouvidas. Lembramos também que não são vendidas bebidas no local, por isso traga a sua de casa.
Mais informações em: http://coletivoatalante.blogspot.com.br/ , http://atalante-leituraeprosa.blogspot.com.br/ e também pelo evento no facebook.
Caetano Pires – Coletivo Atalante

Serviço:
Sarau “Leitura e Prosa” organizado pelo Coletivo Atalante
Dia 30 de junho inicio as 19 hrs
Entrada Franca

DCE UFPR
R. General Carneiro, 390 - Centro

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Apresentação

Esta página tem a intenção de ser um espaço para a discussão de como deve ser a literatura [e as demais artes] no cenário brasileiro [e porque não mundial?] atual. Mas o que isso significa? Significa que estamos propondo um espaço para se pensar diretamente sobre a criação artística. Pretendemos sair do antigo estudo ontológico acadêmico sobre a literatura, para direcionarmos nossas mentes para novos caminhos [ou antigos] em que podemos desenvolver uma expressão artística relevante para nossa época. Pretendemos dar um salto de nosso aquário para enxergarmos as possibilidades em nossas mãos, por isso o debate é importante, e consecutivamente a participação de pessoas que de alguma forma se interessam pela área: apreciadores, artistas, críticos, professores, estudantes. Envie seu texto/crítica para o e-mail ctpires@hotmail.com para que ele seja postado aqui e faça parte desse debate.  [Começaremos nossos trabalhos a partir do dia 30/06 - aguarde]
Ou não.
Caetano Pires
[Coletivo Atalante – 2012]